top of page

A insegurança alimentar no coração do agronegócio

  • Foto do escritor: Gazeta Goyazes
    Gazeta Goyazes
  • 2 de ago. de 2024
  • 9 min de leitura

Em meio a colheitas recordes e do robusto desempenho econômico do agronegócio, 1,6 milhão de goianos ainda lutam contra a fome Por Amanda Lima, Briana Silva e Isadora Otto




Goiás se destaca como um dos principais polos do agronegócio brasileiro, ostentando o título de maior produtor de soja, segundo maior de carne bovina e terceiro maior de milho do país, segundo relatórios do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC). Ainda assim, mais de 1,6 milhão de habitantes vivem na insegurança alimentar, o que equivale a quase um quarto de toda a população do Estado.


Conforme dados do Censo 2022, divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), cerca de 24,3% da população de Goiás ainda enfrenta algum nível de insegurança alimentar, que se traduz em fome ou acesso irregular à comida. 




Segundo dados do MDIC, analisados pelo Instituto Mauro Borges (IMB) em 2023, o setor provou ser gigante não só na produção, mas também nas vendas internacionais. O agronegócio goiano atingiu um saldo de US$8,96 bilhões na balança comercial em 2023, o maior desde 1997. A safra recorde produziu cerca de 32,6 milhões de toneladas de cereais, oleaginosas e leguminosas. 

Desse modo, as exportações goianas em 2023 alcançaram US$13,846 bilhões, enquanto as importações foram de US$4,883 bilhões. Contudo, a produção agrícola do Estado, majoritariamente destinada à exportação, privilegia as grandes empresas e latifundiários, negligenciando a agricultura familiar, crucial para o abastecimento interno e a diversidade alimentar.



Josenilda, 52 anos, mãe de quatro filhos, moradora de Brazabrantes em Goiás, é uma das muitas pessoas que vivem a dura realidade da insegurança alimentar. A reportagem a encontrou na praça central de Goianira, procurando comida em uma cesta de lixo.



A seguir, veja os impactos da agricultura familiar na produção de alimentos e os programas sociais do Governo de Goiás que prestam assistência social para uma parcela da população. Além disso, vale lembrar o desafio de tirar novamente o Brasil do Mapa da Fome.



Pedido de ajuda nas ruas de Goiânia. Foto: Amanda Lima



Agricultura Familiar: o prato que vai para a mesa 

Em Goiás, mais de 63% dos estabelecimentos rurais são da agricultura familiar, segundo o Censo Agropecuário de 2017 do IBGE. Esses produtores são fundamentais para o desenvolvimento rural, econômico e social no Estado. Ao todo, eles respondem por um terço do PIB agropecuário goiano e produzem mais de 700 itens da cesta básica.


Produtores rurais na Ceasa de Goiânia Foto: Amanda Lima


Este setor é composto por pequenos produtores rurais, povos indígenas, comunidades quilombolas, assentamentos de reforma agrária, silvicultores, agricultores, extrativistas e pescadores. Assim como no restante do país, esse modelo de produção tradicional, administrada por famílias, tem sido fundamental para garantir a segurança alimentar. 


O Censo Agropecuário também revela que a agricultura familiar em Goiás emprega quase 500 mil pessoas, representando 23% da área total dos estabelecimentos no país. A maioria dos produtores são homens (85%), enquanto as mulheres representam 15%. A faixa etária predominante entre os agricultores está entre 45 e 54 anos, e pouco mais de 10% possuem ensino superior.

Esses pequenos agricultores são responsáveis por uma significativa parcela da produção nacional de alimentos, conforme mostra o gráfico:



Representação da agricultura familiar no total da produção brasileira. Fonte: Censo Agropecuário 2017.



O representante da Comissão Pastoral da Terra em Goiás, Gerailton Ferreira, pontua que, apesar dos desafios enfrentados, como a falta de acesso a recursos e tecnologias avançadas, a agricultura familiar tem fortalecido a produção de alimentos para as comunidades rurais e a promoção de um desenvolvimento mais equitativo e sustentável no país.


Gerailton Ferreira

Enquanto Goiás celebra seus recordes de produção e exportação, é crucial refletir sobre as disparidades internas. A agricultura familiar, embora muitas vezes invisível nas grandes estatísticas, é essencial para a alimentação das famílias brasileiras. Promover políticas que incentivem e sustentem esse setor é fundamental para equilibrar o paradoxo do agro em Goiás e garantir que a abundância produzida na terra também chegue à mesa de todos os goianos.


Agajoeme, mais conhecida como Dona Nega é produtora rural na região de Caiapônia, norte de Goiás, e pontua que os pequenos produtores têm enfrentado grandes desafios devido à invasão de monoculturas em pequenas propriedades, um fenômeno que ocorre devido à burocratização no acesso às políticas públicas.



A importância das políticas públicas de assistência social


Devido ao grande número de pessoas em situação de vulnerabilidade em Goiás, várias entidades beneficentes e programas sociais estão em ação para lidar com essa realidade complexa. Segundo a Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social de Goiás (SEDS), atualmente, 387 entidades em todo o Estado prestam assistência diária a crianças, adolescentes, idosos e outros grupos vulneráveis, a fim de garantir que suas necessidades básicas sejam atendidas.

A SEDS mantém uma parceria com a Organização das Voluntárias do Estado de Goiás (OVG), visando oferecer um suporte mais abrangente e eficaz para atender às necessidades da população carente. Juntas, essas instituições promovem diversas ações e programas para todo o Estado de Goiás.


Moradora de Aparecida de Goiânia, Edvânia Gonçalves destaca a importância das cestas básicas que recebe pelos programas sociais para ter comida na mesa.


Mães de Goiás

O Programa Mães de Goiás, aprovado em 2021, visa oferecer suporte social e financeiro às mães com filhos de até seis anos que vivem em situação de extrema pobreza. O programa garante um benefício mensal de R$ 250,00, depositado em um cartão específico no qual é utilizado para esses fins. Para participar, não é necessário realizar uma inscrição separada; basta manter os dados atualizados no Cadastro Único.


O que é necessário para ser uma beneficiária do programa?


  • Renda por pessoa de até 109 reais;

  • Que more no Estado de Goiás;

  • CadÚnico atualizado;

  • Se tiver outro(s) filho(s) entre 6 e 15 anos, é necessário que esteja(m) matriculado(s) em uma rede de ensino;

  • Certifique-se de que todos os membros menores de 10 anos tenham a carteira de vacinação atualizada conforme o calendário de vacinação obrigatória do Ministério da Saúde.

Banco de Alimentos 

A Organização das Voluntárias de Goiás (OVG) e o governo do Estado, em parceria com as Centrais de Abastecimento de Goiás (Ceasa-GO) e a Secretaria de Agricultura, Pecuária e Abastecimento (SEAPA), coordenam o Banco de Alimentos. Pequenos produtores e concessionários que trabalham no Ceasa doam frutas, verduras e legumes de boa qualidade que não foram vendidos. 

Sendo assim, todas as manhãs, sete colaboradores do Banco de Alimentos vão até a Ceasa em busca dessas doações e, logo após o recolhimento, os alimentos são separados. As entregas são realizadas da seguinte maneira: para as entidades, ocorrem de segunda a sexta-feira, a partir das 15h, e aos sábados, a partir das 10h. As famílias cadastradas recebem os alimentos às terças-feiras, às 15h, com kits montados para atender uma média de quatro pessoas por família. Para participar é necessário realizar um cadastramento diretamente na sede do Banco de Alimentos, feito por uma profissional da assistência social.

Documentos necessários para o cadastramento:


  • CadÚnico;

  • Documento de identificação com foto, podendo ser: carteira de trabalho, carteira de identidade, carteira de habilitação, carteira profissional e, se menor de idade, certidão de nascimento, original ou cópia legível;

  •  CPF, exceto se constar no documento de identificação;

  • Comprovante de endereço ou declaração de endereço. Na inexistência destes, apresentar declaração do Anexo I da Resolução nº 003/2019, disponível no site da OVG, devidamente preenchida sem rasuras;

  • Comprovante de renda pessoal e/ou do grupo familiar. Na inexistência destes, apresentar declaração do Anexo II da Resolução nº 003/2019, disponível no site da OVG, devidamente preenchida sem rasuras.


    

NutreBem

Este programa foi criado, em parceria com a Organização das Voluntárias de Goiás, em outubro de 2021 com o objetivo de atenuar a fome e a insegurança alimentar no país em um  cenário pós-pandemia. A ação conduz os modos de operacionalizar as diretrizes que sustentam a segurança alimentar e nutricional da população brasileira. Os alimentos são: arroz, proteína de soja, cenoura, tomate, alho e cebola. 


Essas refeições são embaladas a vácuo e a OVG foi responsável pelo Banco de Alimentos em parceria com a Secretaria de Estado de Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Seapa) e as Centrais de Abastecimento de Goiás (Ceasa-GO). Testes para processamento foram feitos com apoio técnico de nutricionistas, engenheiros de alimentos e professores da UFG. 


Quem é acolhido?


Em 2022, cerca de 52 mil pessoas foram beneficiadas pela iniciativa. O programa ainda é vigente e para receber o Mix do bem, as famílias em vulnerabilidade e representantes de instituições sociais podem se dirigir diretamente à unidade, que fica nos fundos da Ceasa, no Jardim Guanabara, em Goiânia, com documentação pessoal.



Programa de Aquisição de Alimentos (PAA)

Em 2023, Goiás e União formalizaram a implantação de dois projetos dentro do Plano Brasil sem Fome. Pelo pacto nacional, 1,6 mil famílias que integram o Programa de Aquisição de Alimentos (PPA) no estado receberão repasse de R$4,6 mil para fortalecer a produção da agricultura familiar.


O governo de Goiás procura com esse programa garantir a segurança alimentar como um eixo emergencial e outra questão é promover  a capacitação profissional e educação no estado. O órgão responsável pela ação é a Seapa, o PAA Federal no Estado de Goiás é efetivado com recursos repassados pelo Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome. 



Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE)

Em 2023, o governo de Goiás direcionou mais de R$16 milhões para aquisição de alimentos da agricultura familiar e do empreendedor familiar rural destinados à merenda escolar. Com o intuito de descentralizar a distribuição dos alimentos, a disponibilização dos alimentos foi estabelecida pela sazonalidade das hortaliças e frutas específicas de cada comunidade e região. As escolas tinham autonomia para escolher os alimentos a serem comprados, o período, a forma de entrega e a quantidade dos produtos. Além de garantir a segurança alimentar das crianças, destacou-se a valorização da agricultura familiar e o empreendedorismo familiar rural. 


O governo de Goiás, por meio da Secretaria de Estado da Educação (Seduc/GO), para além de cumprir à risca o recomendado pelo Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), do governo federal, investe fortemente na melhoria da merenda ofertada em todas as escolas públicas estaduais. Apesar da existência de inúmeros programas de assistência social, a realidade da insegurança alimentar em Goiás permanece alarmante. Mais de 1,6 milhões de goianos ainda vivem em situação de insegurança alimentar, o que evidencia uma lacuna significativa entre as políticas públicas implementadas e a efetiva resolução do problema.



Merenda escolar

Em 2022, segundo o relatório “O Estado da Segurança Alimentar e Nutrição no Mundo” (SOFI), publicado pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e  Agricultura (FAO), 70,3 milhões de pessoas estiveram em estado de insegurança alimentar moderada, que é quando possuem dificuldade para se alimentar.


A Seduc é responsável pelo cumprimento do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), do governo federal, que assegura aos estudantes uma alimentação saudável e de acordo com a cultura e os hábitos alimentares de cada região.


O governo de Goiás foi pioneiro ao oferecer, em 2006, a alimentação escolar para estudantes do Ensino Médio. No mesmo ano, foram implantadas as primeiras escolas estaduais de tempo integral, que oferecem três refeições diárias para os alunos. Veja abaixo o gráfico que ilustra a quantidade de recursos repassados pelo Estado às escolas para a merenda escolar, por estudante e por modalidade de ensino:


Fonte: Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE)


A escola cumpre função social importante para a sociedade, portanto, se destaca cada vez mais a necessidade dos investimentos em educação e também na alimentação fornecida nas escolas. 




O Brasil no Mapa da Fome


O Mapa da Fome é uma ferramenta criada pela Organização das Nações Unidas (ONU), e o relatório “O Estado da Segurança Alimentar e da Nutrição no Mundo” é publicado pela Food and Agriculture Organization (FAO). Este instrumento tem como objetivo mapear a quantidade de pessoas que enfrentam fome e insegurança alimentar ao redor do mundo. O Mapa identifica os países cujas populações não têm acesso a uma alimentação adequada, seja em quantidade ou qualidade, necessária para uma vida saudável. A finalidade desta ferramenta é avaliar o acesso da população de um país à alimentação suficiente e adequada para manter uma vida saudável.


O Brasil traçou metas para tentar sair do Mapa da Fome durante anos, mas recentemente retornou ao mapa, de forma que aumentou a insegurança alimentar no país. Fato que aconteceu, devido a indisponibilidade de alimentos e/ou falta de recursos para obter comida em consequência, principalmente, à pandemia de Covid-19. É possível notar a luta contra a fome a partir da linha do tempo a seguir:



Vale destacar que em 2019, o Consea foi desativado pelo governo do ex-presidente Jair Bolsonaro, seguido pelo encerramento de programas como Segurança Alimentar e Nutricional, o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), todos essenciais para a alimentação da população brasileira em situação de vulnerabilidade.


Segundo o relatório, publicado anualmente, mostra que 14,7 mil pessoas deixaram de passar fome no Brasil em 2023 e 2,5 milhões de pessoas ainda vivem em insegurança alimentar severa. Comparando os números de 2022 com os novos dados do relatório, o percentual de queda da insegurança alimentar severa no Brasil foi de 85%. 


Após a posse, o presidente Lula assinou a Medida Provisória 1.164/23, que relançou o Bolsa Família, porque no governo anterior tinha sido substituído pelo Auxílio Emergencial. Em 19 de junho do ano passado, a MP foi convertida na Lei nº 14.601, com o foco direcionado ao perfil familiar e o apoio à primeira infância.







Comments


bottom of page