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Caminho mais curto: o emagrecimento é mesmo o destino final?

  • Foto do escritor: Gazeta Goyazes
    Gazeta Goyazes
  • 2 de ago. de 2024
  • 10 min de leitura

Atualizado: 5 de ago. de 2024

Com promessas de resultado rápido, dietas "infalíveis" e produtos "milagrosos" são anunciados com facilidade, colocando em risco a saúde


Por Alexandre Elias, Letícia Lourencetti, Natália Sezil e Tainá Mariano




Dieta para emagrecer 10kg em 7 dias: confira cinco dicas infalíveis para perder peso. Jejum intermitente: guia de 15 horas sem comer para iniciantes. Cinco chás seca-barriga potentes: veja receitas. Já viu essas dicas? Esses são apenas alguns dos exemplos procurados por pessoas de todo o Brasil que querem emagrecer em pouco tempo.


Seja para uma ocasião de última hora (as festas de fim de ano, as férias na praia, um casamento esperado), ou para cumprir metas de ano novo, muitos goianos têm procurado essas soluções na internet.


O jejum intermitente é um exemplo disso, um assunto sempre recorrente nos buscadores. De acordo com dados do Google Trends (plataforma que analisa quão comentados são alguns tópicos), o assunto é pesquisado principalmente em janeiro, quando há um pico nos gráficos. Goiás é o segundo estado brasileiro com maior índice de busca: fica atrás apenas de Minas Gerais.


O que muitas vezes acaba sendo ignorado nessa busca incessante é que o uso indiscriminado desses métodos, inclusive os que são anunciados como naturais, oferece diversos riscos à saúde, devido à falta de fiscalização. Esse assunto veio à tona, por exemplo, em 2022, quando uma enfermeira que consumia cápsulas de ervas para emagrecer teve hepatite fulminante e faleceu após a rejeição de um transplante de fígado. Mesmo depois de casos assim, métodos e medicamentos milagrosos continuam sendo muito procurados.


Dentro desse contexto, essas práticas cada vez mais comuns acabam por banalizar o emagrecimento. Perder peso deixa de ser sobre a saúde - não se trata mais de uma rotina de exercícios e de uma dieta saudável - mas, sim, de alcançar rapidamente o resultado ao invés de um processo que deveria ser gradual.


A popularização dessa busca voraz por um “corpo perfeito” (interpretado como um corpo magro) acompanha diversas implicações: o uso indiscriminado de medicamentos que têm outros objetivos, o holofote dado aos influenciadores digitais que posam com seus corpos “naturalmente perfeitos”, e a banalização do emagrecimento rápido e sem acompanhamento médico, para citar apenas alguns.


A reportagem a seguir trata da influência do cenário digital, as movimentações do mercado farmacêutico e os perfis mais suscetíveis à procura por soluções “milagrosas” para o emagrecimento. A leitura, no entanto, não é linear. Você pode escolher por qual caminho seguir e o que ler primeiro.







A influência do digital


Ao pensar sobre a representação de corpos na mídia, é possível observar uma alteração com a popularização das redes sociais. Para Flávia Martins dos Santos, professora e pesquisadora da Faculdade de Informação e Comunicação (FIC) da Universidade Federal de Goiás (UFG), o apelo e articulação do público são fatores essenciais nessa nova configuração. “Os padrões corporais sempre existiram, mas com maior intensidade quando a gente tinha mídias de caráter apenas massivo. A partir da entrada de novas mídias, com a internet, a gente vê não só a possibilidade de ter acesso a representações, a ver novos corpos em circulação na mídia, mas também uma pressão maior por sua presença”.



Gráfico indica dados da pesquisa feita pelo DataReportal em fevereiro de 2024



No entanto, essa diversidade não atinge todos os tipos de conteúdos produzidos. Quando pensamos sobre a onda dos influenciadores digitais, não é preciso ir muito longe para nos depararmos com a imposição do discurso da magreza. Uma chá "seca a barriga" em uma semana, contar calorias e cortar o açúcar te ajudarão a ter o corpo ideal no verão, o jejum é a resposta para todos os seus problemas com a balança, três horas diárias na academia e você alcançará a sua melhor versão. Ideias como essas são responsáveis pela perigosa associação entre peso e saúde, que, até mesmo pela característica das plataformas, desconsidera fatores sociais, genéticos, hormonais e psicológicos ao fornecer o conteúdo a diferentes perfis.


“Existe também a possibilidade das pessoas se agruparem, vivendo em uma, como diz a literatura , sociabilidade somática”, comenta Flávia. Esse fenômeno seria a agregação de pessoas que, por fatores externos ou próprios das redes sociais, consomem conteúdos e pensam de uma forma parecida, vivenciando uma socialização totalmente voltada para aspectos corporais. “Essas pessoas compartilham dicas, técnicas e imagens de resultados corporais para que se motivem, incentivem umas às outras a alcançar aqueles objetivos”.


Esse modelo de socialização acende um alerta ao considerarmos as diferentes características das pessoas que buscam a perda de peso. A universalização de um processo que deveria ser pensado de acordo com inúmeros fatores gera uma culpabilização daqueles que não alcançam os resultados esperados.



Nas redes sociais, são realizadas vendas de medicamentos em grupos fechados

(Fotos: Captura de tela/Facebook)


Observamos também a existência de “bolhas” que vão ainda mais longe, reunindo indivíduos diagnosticados ou não com transtornos alimentares. Com comentários, o ensino de metodologias, perseguição a corpos que não se encaixam no padrão e demonização do acompanhamento profissional, comunidades desse tipo colaboram para que os usuários se afundem cada vez mais em seus problemas com a comida, o peso e a autoestima.



Exemplos de postagens dentro dessas "bolhas" nas redes sociais. (Fotos: Captura de tela/ X/Twitter)


Isso porque esse ambiente digital promove a ideia de que a aceitação social e a autoestima estão diretamente ligadas à aparência física, o que é intensificado pela constante exposição a imagens editadas e mensagens compartilhadas por influenciadores e celebridades. Esse comportamento, que afeta principalmente jovens, resulta em uma perseguição a padrões alimentares prejudiciais, como dietas extremas, exercícios excessivos e o uso incorreto de medicamentos para emagrecer sem a devida prescrição médica.


Algoritmos


No que se refere às produções consumidas por meio de plataformas digitais, existe ainda um outro fator que direciona os usuários para esse agrupamento: os algoritmos. Muitas vezes vistos como entidades mágicas que adivinham nossas preferências e necessidades, essas ferramentas nada mais são do que a catalogação e associação de comportamentos que os usuários têm dentro das próprias plataformas. “Não é nada mágico ou etéreo, muito pelo contrário: esse sistema utiliza muito das ciências exatas, da computação e estatísticas de modelagem”, explica Thâmara Vilela, comunicadora social especialista em administração e marketing.


Informações como idade, sexo, renda, locais frequentados e preferências de consumo são essenciais para que determinado assunto apareça no seu feed. “Tudo isso é monitorado por meio das pesquisas que você faz, perfis que segue, suas curtidas, comentários, os sites em que fica mais tempo”, exemplifica Thâmara. “As máquinas conseguem captar um determinado perfil, segmentar e recomendar, de acordo com ele, algo que possa fazer algum sentido, que possa ter uma probabilidade de compra. E quando eu falo compra não é só compra de produto, pode ser um serviço, um negócio, uma ideia, uma informação… Quanto mais você consome, mais frequente esse conteúdo será no seu perfil. Assim é construído isso que nós chamamos de Sistema de Recomendação”.


Graças a essa configuração, os usuários muitas vezes se veem inseridos em bolhas de interesse, bombardeados por produções de diferentes autores, mas referentes a uma mesma temática.


Nas redes sociais, observamos diferentes agentes que se tornam referências quando o assunto é emagrecimento. Um dos exemplos mais óbvios é a enxurrada de influenciadores que vão e vêm com a maré dos virais. Apenas pessoas comuns que compartilham a sua rotina, suas opiniões e sua privacidade, arrebatando milhares – e algumas vezes até milhões – de seguidores. O que faz delas um modelo a ser seguido?







Os que embarcam neste caminho


O discurso do emagrecimento se torna mais atrativo com diferentes abordagens, a depender do público. Ao defender  uma ideia de saúde, a elevação da autoestima e a melhoria do condicionamento, a apresentação deste padrão – da magreza – é encontrada com peculiaridades para homens e mulheres.


“Os corpos das mulheres, historicamente, têm sido mais vigiados, controlados e estimulados ao controle – especialmente o controle externo”, argumenta Flávia Martins, professora e pesquisadora da Faculdade de Informação e Comunicação (FIC) da Universidade Federal de Goiás (UFG). “A validação das mulheres na sociedade ainda está muito ligada ao que elas podem oferecer, à forma como se apresentam e à capacidade delas de serem belas. E esse padrão do que é ‘belo’ é muito cobrado e muito ensinado a elas desde muito jovens”.


A imposição de padrões estéticos pode causar significativos prejuízos à saúde física e mental de mulheres de todas as idades. A automedicação, dietas desbalanceadas, o baixo consumo de nutrientes, além de transtornos dismórficos corporais e patologias alimentares podem ser estimuladas e/ou agravadas diante da adoção de um determinado formato de corpo como o “normal”.


A psicóloga Hully Segatti, especialista em Transtornos Alimentares, afirma que apesar dos reflexos da busca incessante pelo corpo ideal serem mais perceptíveis no público feminino, sobretudo a supervalorização do corpo magro, os transtornos alimentares são questão de saúde pública há anos e essa comparação entre o corpo feminino “real e ideal” já tende a começar na infância.


Hully também explica que, embora não fosse tão falada naquela época, a síndrome da distorção de imagem já gerava transtornos desde a década de 1990, existindo no mundo da moda, da dança clássica e nas demais atividades artísticas que envolvem o corpo.


Essa mesma síndrome teria sido intensificada pelo uso das redes sociais, que agravaram as percepções negativas da própria aparência. Dentre as principais formas dessa distorção, a mais comum é a vigorexia (transtorno dismórfico muscular), isto é, a obsessão com a percepção de que o corpo não é musculoso o suficiente.


“Dentro de um recorte geracional, tal transtorno tem atingido igualmente homens e mulheres, embora a prevalência anterior à ênfase das redes sociais fosse masculina”, afirma a psicóloga.


Além da vigorexia, as redes sociais, com seu intenso e constante fluxo de imagens e mensagens idealizadas, acabam por desempenhar um papel significativo também no desenvolvimento de transtornos alimentares, como anorexia e bulimia. O impacto da rede social na construção de um corpo estético se agrava à medida que jovens e adultos são bombardeados por padrões de beleza inatingíveis, promovidos por influenciadores e até mesmo por algoritmos que dão prioridade a corpos magros e vidas "perfeitas".


Com isso, muitas pessoas tentam alcançar o que, por vezes, é uma idealização e acabam se auto prejudicando física e psicologicamente para seguir esse padrão estético. Especialistas explicam que a pressão para se conformar a essas normas estéticas causa danos duradouros também à autoestima dos indivíduos.








Os atalhos


Existe uma grande pressão pelo alcance do corpo perfeito. A imposição de padrões de beleza por influenciadores manipula a conduta de seus seguidores ao gerar o desejo de ter um corpo estético no menor tempo possível. A partir disso, cria-se uma relação negativa com a imagem, o que reduz sua autoestima e provoca novos problemas para a saúde mental.


Além disso, as redes sociais promovem uma crescente desinformação sobre dietas e produtos de emagrecimento, o que leva muitos usuários a adotarem práticas prejudiciais para alcançar padrões de beleza irreais. Mas até que ponto uma pessoa pode ir para buscar um corpo “ideal” de forma imediata? Essa tentativa pode levar as pessoas a buscarem formas, muitas vezes, desordenadas e inconsistentes que, no longo prazo, geram graves riscos à sua própria saúde.


Episódios com dietas extremas, práticas de bulimia, compulsão alimentar, ansiedade, depressão e o uso de medicamentos de maneira incorreta são alguns dos efeitos negativos que se pode ter na busca desse padrão estético de forma rápida e fácil. A pressão para se conformar a esses padrões tornou-se uma questão de saúde pública.


Entre os medicamentos que se tornaram populares nos últimos anos no Brasil, está o Ozempic. As pesquisas pelo fármaco já registravam índices consideráveis antes, mas, segundo dados do Google Trends, atingiram o ápice em março deste ano, quando a cantora Maiara, da dupla com Maraisa, apareceu em fotografias com o corpo muito diferente do que o público já havia visto.



O preço médio do medicamento varia de R$ 900 a R$ 1.300, mesmo assim é frequente que esgote nas farmácias. Foto: Natália Sezil



O Ozempic é classificado como agonista de GLP-1 e funciona a partir da molécula da Semaglutida. O endocrinologista Guilherme Borges explica que esse é o princípio mais potente para o tratamento de peso e sobrepeso e, por esse motivo, também é um dos mais populares para esse caso. Originalmente, o

medicamento era recomendado para o tratamento da diabetes do tipo 2, mas, devido aos efeitos da Semaglutida, foi usado mais popularmente como off-label para o emagrecimento.


Guilherme aponta, entretanto, que algo controverso sobre o uso da medicação é o fato de que muitas pessoas que não se encontram acima do peso fazem a sua utilização porque querem se render a uma forma mais "fácil" de obter melhorias rápidas na composição corporal.



Notas de esclarecimento da Sociedade Brasileira de Diabetes e da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia, em conjunto com outras entidades nacionais de saúde, sobre o uso da Semaglutida.



A nutricionista Renata Garcia, especialista em Nutrição Esportiva, parte da mesma visão e afirma que esse é o medicamento mais famoso no ramo do emagrecimento tanto pela sua divulgação nos meios digitais, quanto pela busca contínua das pessoas por um atalho para emagrecer.


Ela ressalta que toda pessoa que usa o fármaco deveria ter um acompanhamento médico, pois muitos não sabem a forma correta de administrá-lo. O endocrinologista também aponta perigos no uso indiscriminado, que pode colocar esses indivíduos em situações agravantes, sob riscos de perda de massa muscular.


Por ser derivado do GLP-1, o Ozempic causa saciedade com o consumo de pouca comida. O problema, alerta Renata, é que o remédio é de uso contínuo e, caso o tratamento seja interrompido, pode gerar um efeito rebote: seu usuário sentirá fome e comerá o suficiente para engordar mais do que emagreceu.


Além disso, ela ainda destaca que esse é um emagrecimento "desnutrido", pois a pessoa não conseguirá bater sua meta de ingestão proteica, o que ocasionará uma perda de massa muscular. Tudo isso pode vir acompanhado de problemas psicológicos ainda piores e levar ao desenvolvimento de depressão, transtornos alimentares, ansiedade e outros, tudo causado por uma grande influência, principalmente pela estética que a mídia define como padrão.


Existem alternativas mais saudáveis?


Diante dos riscos associados às soluções rápidas, é crucial buscar alternativas mais saudáveis e sustentáveis. A psicóloga Hully Segatti, especializada em Transtornos Alimentares, recomenda um acompanhamento multidisciplinar, que inclua médicos, nutricionistas e psicólogos.


“Ao considerar modificações corporais através de medicamentos ou procedimentos estéticos, é fundamental que se procure um médico especialista para verificar se há indicação para o procedimento cirúrgico ou para o uso de medicamentos”, ressalta. Além disso, o acompanhamento psicológico é indispensável para tratar as questões emocionais subjacentes à busca incessante por aceitação social.


Hully explica que o uso de medicamentos para o emagrecimento pode levar a graves consequências psicológicas. A psicóloga cita a dependência emocional e a ansiedade exacerbada pelos efeitos neuroestimulantes associados à autocobrança para perder peso, bem como a grande chance de agravamento de episódios depressivos.


Sem acompanhamento, a utilização também pode intensificar distúrbios alimentares já existentes e resultar em crises de ordem psicótica, que podem incluir delírio e alucinação. Isso seria causado pela desordem neuroquímica provocada pela interação medicamentosa com o organismo, uma vez que o medicamento não foi prescrito por um profissional de saúde qualificado e o uso não está sob supervisão clínica.




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