Cinemas de rua em Goiânia: entre o lazer, a cultura e a sobrevivência
- Gazeta Goyazes
- 2 de ago. de 2024
- 4 min de leitura
Atualizado: 9 de ago. de 2024
Queridinhos do século passado, os cinemas de rua, importantes elementos culturais do centro de Goiânia, caíram no esquecimento ou até criaram outras maneiras para se manterem ativos
Por Ana Tereza Bücker, Augusto Nunes, Daniel Henrique Ferreira, Fernando Henrique Dias e Thaís Teixeira
O centro de Goiânia sempre se destacou por diversos estabelecimentos representativos culturalmente e que se tornaram marcos históricos da cidade: na Rua 55, o Biscoitos J. Pereira, inaugurado em 1963, é referência na busca por um ambiente agradável, um café e um bom salgado. Já na Rua 8, o Zé Latinhas, inaugurado em 1967, resistiu ao tempo, mantendo-se um dos bares mais populares da capital, destaque pelo repertório de Jazz e MPB. Outro dos grandes estabelecimentos que marcam a história do centro, mas que diferente dos já citados Biscoitos J. Pereira e Zé Latinhas, não resistiram ao tempo e à expansão da cidade, são os cinemas de rua.
Desde os primeiros cineteatros nos anos 1940, ao auge das salas cinematográficas da década de 1970, com os cines Ouro, Casablanca, Goiás, Capri, Frida, Presidente e Astor, que dominaram as ruas do centro de Goiânia, os cinemas de rua se estabeleceram como grandes marcos culturais da cidade. A partir da década de 1980, com o surgimento dos cinemas de shopping e suas grandes redes, como o Cinemark e o Kinoplex, muitos dos cinemas de rua de Goiânia fecharam as portas ou precisaram se adaptar para sobreviverem.
Contamos nesta reportagem um pouco da história das salas de cinema que movimentaram a cultura e o comércio, sobretudo do centro de Goiânia, até a decadência. Com o relato de frequentadores e especialistas, mostramos como está a sobrevivência na atualidade.

Mapa com a localização dos principais cinemas de rua ainda em funcionamento do centro de Goiânia
O primeiro cinema de Goiânia
No dia 13 de maio de 1909, quando os filmes ainda eram exibidos com auxílio de bandas sinfônicas, a primeira projeção cinematográfica ocorreu no estado de Goiás, no Theatro São Joaquim, localizado na antiga capital Vila Boa de Goyaz. Só 27 anos depois, três após a capital do Estado se tornar Goiânia, no dia 13 de junho de 1936, era inaugurado no bairro de Campinas, que acabava de ser incorporado à capital, o Cine Teatro Campinas, o primeiro cinema da cidade.

Cine Teatro Campinas, o primeiro cinema de Goiânia / Arquivo do Museu da Imagem e do Som de Goiás
Logo após, o Cine Popular (que funciona até hoje com o nome de Cine Santa Maria), o primeiro cinema do grande centro, foi inaugurado em 1939, na Rua 24 do Setor Central. Já em 1942, foi a vez do Cine Teatro Goiânia, que até hoje conta com exibições de peças de teatro e exposições. A partir daí, diversos cinemas surgiram não apenas na região central, mas também em diversas outras localidades da cidade, como o Cine Regina, no Setor Vila Nova, o Cine Fátima, no Setor dos Funcionários, e o Royal, no Setor Pedro Ludovico.
A decadência
Em seu livro Goiás no Século do Cinema (Ed. Kelps, 1995), Beto Leão e Eduardo Benfica destacam que na década de 1950 a indústria cinematográfica já sofria com o surgimento da televisão nos Estados Unidos. No Brasil, a ascensão da televisão, uma alternativa barata e qualificada para opção de entretenimento, começa na década de 60, com o investimento militar na telecomunicação e o alinhamento entre a TV Globo e o grupo Time Life, ao passo que a exibição cinematográfica no país entra em decadência.

Trecho do livro: Goiás no Século do Cinema (Ed. Kelps, 1995), de Beto Leão e Eduardo Benfica.
A decadência continua nos anos 1970, com o advento do videocassete. Dados do extinto Conselho Nacional de Cinema (CONCINE) demonstram que em 1975, 175 cinemas foram fechados em todo o país. Já em 1977, 118 cinemas encerram suas atividades. Neste mesmo período, o Cine Popular, o primeiro cinema de rua do centro de Goiânia, encerra suas atividades de exibição de filmes românticos e festivais, e passa a se concentrar exclusivamente no nicho de filmes eróticos.

Número de salas de cinema no Brasil nas décadas de 1940, 1950, 1960 e 1970, de acordo com dados do Conselho Nacional de Cinema (Concine).
Em Goiás, a decadência dos cinemas de rua se concretiza no começo dos anos 80, com a expansão das cidades e o advento dos grandes shopping centers, os cinemas de rua perderam de vez seus lugares como queridinhos, e a as grandes empresas cinematográficas tomaram o lugar, oferecendo opções de conforto, segurança e a exibição de grandes produções hollywoodianas, como explica Lisandro Nogueira, professor de cinema da Universidade Federal de Goiás e doutor em Cinema e Jornalismo pela PUC/SP:

De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 1983, ano em que o Shopping Flamboyant foi inaugurado, Goiânia possuía 717.526 habitantes. Atualmente, de acordo com o último censo publicado pelo IBGE no ano de 2022, a capital goiana chegou a 1.437.366 pessoas, duplicando sua população em pouco menos de 40 anos. Ainda, de acordo com dados da Associação Brasileira de Shopping Centers, Goiás possui hoje 32 shoppings em todo o estado, sendo 19 deles localizados na capital.
Timelapse demonstrando a expansão da cidade de Goiânia entre os anos de 1984 e 2023 / Feito com o Google Earth.
A sobrevivência dos cinemas de rua
Atualmente, apenas dois cinemas de rua sobrevivem no centro de Goiânia com a exibição de filmes internacionais, o Cine Ritz e o Cine Cultura. Outras salas, como o Cine Santa Maria (antigo Cine Popular) e o Cine Astor, investiram na segmentação em filmes eróticos.
O fechamento de salas de cinema de rua não é um problema que atinge apenas a capital goiana. De acordo com dados do Informe Anual do Mercado Cinematográfico de 2023, publicado pela Agência Nacional de Cinema (ANCINE) no ano de 2024, 88,4% das salas de cinema do Brasil funcionam em shopping centers, como demonstrado no infográfico abaixo:

Número de salas de cinema no Brasil que se concentram em shopping centers e em cinemas de rua. Dados do Informe do Mercado Cinematográfico 2023 (Ancine).
Ainda de acordo com o professor Lisandro Nogueira, para que os cinemas de rua sejam preservados, é necessário que o governo invista em políticas públicas de revitalização dos centros históricos das capitais, semelhante ao ocorrido na cidade de Curitiba:





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