O caminho para a superação da desigualdade de gênero nas ciências exatas
- Gazeta Goyazes
- 5 de ago. de 2024
- 4 min de leitura
Ainda há desafios para uma presença maior de mulheres nas profissões ligadas a tecnologias e às engenharias, o que começa desde os incentivos na infância
Por Thiago Borges, Mateus dos Santos, Gabriel Pires e Raphael Teixeira
"Muitas pessoas não acreditaram no meu potencial por ser menina e fazer algo que normalmente é feito por homens”. A fala é da estudante Ingryd Rezende, de 15 anos. Ingryd faz parte da equipe de robótica do Sesi Planalto, em Goiânia. É lá que ganhou gosto pela área. Seu sonho? “Ser uma engenheira mecatrônica de sucesso”, diz ela. Sua inspiração é Jordana Kellen, técnica da aluna no minitorneio para seleção de membros na robótica. É caracterizada pela adolescente como uma “pessoa muito incrível e dedicada à robótica”.
Participação da equipe de robótica Kypton, do Sesi Planalto (Vídeo: Mateus dos Santos)
“Não tive”, disse Heloisy Pereira Rodrigues, quando perguntada sobre sua inspiração feminina para ingressar na área. Heloisy tem 24 anos e foi a primeira mulher formada em Inteligência Artificial no Brasil. Fez sua graduação na Universidade Federal de Goiás e foi lá que marcou seu nome na história. Falou de sua realidade, diz que não sofreu retaliações por ser uma mulher na área, mas reconhece a existência das desigualdades. “Na minha turma, as mulheres eram cerca de 10% dos alunos, hoje, no curso todo, as mulheres são cerca de 25%”, conta ela, com orgulho da evolução. O curso, que foi o primeiro do Brasil, foi lançado em 2020 e atualmente está na sua 5ª turma.
Heloisy Pereira Rodrigues, primeira mulher formada em Inteligência Artificial no Brasil
(Foto: Arquivo pessoal)
“Na minha turma, de 40 pessoas que entraram, éramos 5 meninas. Hoje, depois de um ano e meio de curso, sobraram eu e mais duas. No início das aulas eu estranhei muito, porque no prédio que eu estudo, em quase todos os cursos, a maioria dos alunos são homens”, conta Clara Hilbert Polizel, 18 anos, estudante de Engenharia de Computação na UFG.
“Tinham algumas situações que me deixavam bastante desconfortável, como entrar no elevador ou na sala de estudos e só ter eu de mulher. Mas confesso que com o tempo me acostumei. Nunca tive dificuldade em fazer amizade com os meninos, então isso facilitou muito a minha adaptação. Não é o ambiente ideal que eu sonhava, mas aprendi a lidar", completa.
O espaço das ciências exatas ainda mostra um cenário de uma grande desigualdade entre os gêneros, é o que diz os dados do estudo Estatísticas de Gênero: indicadores sociais das mulheres no Brasil, do IBGE. Segundo informado pelo estudo, 60% das pessoas que concluem o ensino superior são mulheres. Entretanto, em 2022, elas representaram apenas 22% do total de concluintes dos cursos de Ciências, Tecnologias, Engenharias e Matemática (CTEM).
A 2ª turma de Inteligência Artificia da UFG, com 23 alunos, sendo apenas três mulheres.
Foto: arquivo pessoal.
No ensino superior brasileiro, as matrículas de mulheres nas graduações de exatas são aproximadamente 35%. Mundialmente e ao longo da história, foram poucos os estímulos paras as mulheres seguirem profissões ligadas a estas áreas. Por exemplo, até hoje, o Prêmio Nobel reconheceu 419 pesquisadores nas áreas de Química e Física, mas desses apenas 13 são mulheres, ou seja, 3,1%.
O Conselho Federal de Engenharia e Arquitetura (Confea) realizou, em 2022, uma pesquisa que levantou qual era o percentual de mulheres registradas como engenheiras no Brasil. O número corresponde a 19,3% (199.786 mulheres engenheiras) do total de 1.035.103 profissionais no país. Se levarmos em consideração apenas a participação feminina entre os profissionais ativos na área, o número é menor ainda, na casa dos 15%.
A combinação de dados e relatos nos levam para uma questão central: as mulheres ainda precisam de mais incentivo e espaço nas ciências exatas. “Os fatores sociais que culminaram nessa realidade são os mais variados, e que começam na infância, como a perpetuação de estereótipos de gênero. Desde cedo, meninas e meninos são socializados para acreditar que certas habilidades e interesses são inerentemente mais apropriados para um gênero do que para o outro”, afirma a pedagoga Raquel Alves, com experiência no ensino primário.
Culturalmente, em uma sociedade patriarcal, as meninas são frequentemente desencorajadas a se envolver em atividades ligadas à matemática e à ciência, enquanto são incentivadas a se dedicar a áreas consideradas mais "femininas", como artes e humanidades.
Esse estereótipo de gênero é reforçado por diversas fontes, como a mídia, a educação e até mesmo figuras parentais. Além disso, são essas crenças que desencorajam meninas a seguirem em cursos de exatas e acabam por guiá-las até carreiras e formações acadêmicas em outros campos, que acabam por omitir talentos ao redor do país.
O Censo da Educação Superior de 2022 mostra que, entre os concluintes, as mulheres eram apenas 15% nos cursos de computação e tecnologias da informação, e 35% nas engenharias - os únicos dois grupos em que a participação feminina se mostrava menor.
O cenário feminino na área está avançando, mesmo que de forma lenta. A Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) é uma fundação ligada ao Ministério da Educação (MEC) do Governo Federal, atuante na expansão e fomento dos mestrados e doutorados em todo o país - responde por mais de 55% das bolsas dessas modalidades no país.
A CAPES foi fundada em 1951. De lá para cá, a primeira mulher a coordenar uma área das engenharias na agência foi a engenheira química Verônica Calado, somente em 2024. É uma conquista importante, mas que chegou só depois de sete décadas. Verônica é graduada na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), com mestrado e doutorado pelo Programa de Engenharia Química da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), instituição onde leciona desde 1989.
Incentivar a ampliação do número de mulheres em todas as áreas do conhecimento é uma forma de não sufocar talentos, dando oportunidades iguais para que todos se desenvolvam, e também contribuir para a melhor distribuição da renda e independência financeira, uma vez que profissões ligadas às áreas de exatas, como as engenharias e as ligadas a tecnologias, tendem a oferecer melhores salários.
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