Serra Dourada: da glória à decadência
- Gazeta Goyazes
- 2 de ago. de 2024
- 9 min de leitura
Atualizado: 9 de ago. de 2024
Principal palco esportivo do Centro-Oeste, o estádio tem problemas de estrutura, sofre com a rejeição de clubes e vive mais da memória dos tempos gloriosos
Por Gabriela Ogashawara, Rafaella Stival e Weigler Soares
“O Serra Dourada não vai ver o Atlético-GO mais. Só quando tiver uma reforma profunda. Todos nos receberam muito bem e deram todas as condições, o estádio acolheu bem o jogo, mas o Atlético-GO de hoje em diante vai jogar no Antônio Accioly, na sua casa.” Essa afirmação foi feita por Adson Batista, presidente do Dragão, em entrevista logo após a última partida sediada no Estádio Serra Dourada.
Atlético-GO e Flamengo fizeram o jogo de estreia do Campeonato Brasileiro no dia 14 de abril de 2024. O Serra Dourada foi o palco escolhido para comportar os mais de 35 mil torcedores que se fizeram presentes para acompanhar a partida, gerando uma renda de quase R$4,5 milhões, a maior arrecadação do time de Campinas. Mesmo assim, após a partida o cartola atleticano já frustrou a expectativa de muitos amantes do esporte que tinham a esperança de ver mais jogos no templo do futebol goiano.
Os três compromissos subsequentes do rubro-negro goiano pelo Brasileirão em casa teriam como adversários o São Paulo, no dia 21 de abril; o Cruzeiro, 12 de maio; e o Corinthians, em 11 de junho. Três jogos que teriam tamanho para serem realizados no emblemático estádio, podendo acalentar os corações dos saudosistas dos “tempos” de Serra lotado, recebendo os principais jogos dos times goianos. Entretanto, as partidas foram disputadas no estádio particular do Atlético-GO, o Antônio Accioly. Dessa forma, o Serra Dourada não tem perspectiva de receber partidas num futuro próximo.
Os tempos de glória
O Estádio Serra Dourada está localizado na Avenida Fued José Sebba, 117, Jardim Goiás em Goiânia. Inaugurado em 9 de março de 1975, o audacioso projeto do vencedor do Prêmio Pritzker de 2006, o arquiteto Paulo Mendes da Rocha, tinha capacidade para aproximadamente 80 mil espectadores e era o sétimo maior estádio do Brasil. A partida de inauguração do estádio foi entre a Seleção Goiana e a Seleção Portuguesa. Na ocasião, 76.718 pessoas acompanharam a vitória goiana por 2 a 1.
Outras partidas emblemáticas aconteceram no Serra, como a vitória da Seleção Brasileira por 3 a 1 em um amistoso contra a Seleção Goiana, que aconteceu em 1978 e detém o recorde de público do estádio, com 77.790 pessoas acompanhando.
Flamengo e Atlético-MG também decidiram vaga na Libertadores da América de 1981 em jogo marcado por polêmicas da arbitragem. Ao todo, 76.501 foi o número de torcedores presentes no estádio, tornando esse o quarto maior público da história. Além desses três jogos emblemáticos, os clássicos goianos também têm suas histórias ligadas ao estádio.
Wilmar de Andrade, torcedor do Vila Nova, lembra do tempo em que a capacidade do estádio comportava mais de 70 mil pessoas. “Com 10 anos de idade eu já ia pro estádio. Meu pai já levava a gente para o Serra Dourada, que era considerado um dos melhores estádios do Brasil. A gente assistia jogo e não tinha divisão de torcidas, como tem hoje. Antigamente tinha a geral, arquibancadas e cadeiras..”
Para sediar os jogos da Copa América de 1989, o estádio passou por uma vistoria da CBF e da Confederação Sul-Americana de Futebol, que determinaram a redução da capacidade para 50.049 lugares.
Imagens áreas do Estádio Serra Dourada realizadas por drone. Crédito: Ricardo Viana / Youtube.
O templo do futebol goiano
O Estádio Serra Dourada é considerado por muitos como o Templo do Futebol Goiano. O ídolo do Flamengo e da Seleção Brasileira, Zico, falou, em uma entrevista coletiva antes de uma palestra no Sesc Faiçalville, no dia 10 de agosto de 2023, sobre o Serra: “É o estádio que eu sempre disse que era o número um do Brasil e que eu mais gostava de jogar depois do Maracanã.”
O médico Eduardo Alves Teixeira, que trabalhou no Vila Nova Futebol Clube, comparou o Serra Dourada ao Coliseu. “Falando especificamente do Serra Dourada, era o palco de grandes emoções. Se tinha o Coliseu na época de Roma, tínhamos o Serra Dourada nessa época, porque ali se dava os combates.”
Pedro Marcondes, social mídia da OAB-GO, é paulista e fala como era a visão dos torcedores de fora quando os jogos aconteciam no Serra: “Lá em São Paulo a gente sempre viu o Serra Dourada como um estádio bem imponente. Era sempre muito difícil jogar contra os times daqui , até por conta do gramado, que era um dos maiores do Brasil. Então sempre era um problema ver nosso time jogar no Serra Dourada”.
A decadência de um gigante
O Serra Dourada era a casa dos três principais times de Goiânia: Atlético-GO, Goiás e Vila Nova; sendo o palco de grandes embates, títulos e frustrações. Entretanto, nos últimos anos os clubes começaram a jogar nos seus próprios estádios, o Dragão no Antônio Accioly, o Verdão no Hailé Pinheiro - também conhecido como Serrinha -, e o Tigrão no Onésio Brasileiro Alvarenga (OBA).
Pedro Marcondes comenta sobre os estádios particulares: “Eu tinha essa visão de que aqui só tinha o Serra Dourada. Eu estranhei muito quando o Atlético anunciou o seu estádio ou quando jogavam no Estádio Olímpico. Então, realmente, quem não é daqui do estado não tem muito conhecimento sobre os estádios particulares. Agora tem um pouco mais, porque o Atlético só manda jogos lá no Accioly, o Goiás só manda jogos na Serrinha e o Vila no OBA. Mas há uns anos atrás, eu não fazia ideia de quantos estádios existiam aqui em Goiás, para mim era só o Serra Dourada mesmo.”
Com a construção dos estádios particulares o Serra passou a receber cada vez um número menor de partidas. Em 2023 foram três: Goiânia x Goiás, pelo Goianão; Goiás x Estudiantes, pela Copa Sul-Americana; e Vila Nova x Chapecoense, pelo Brasileirão Série B. Em 2024 só teve uma partida: Atlético-GO x Flamengo, pela rodada de abertura do Brasileirão.
Vale destacar que a partida entre Goiás e Estudiantes só aconteceu no Serra Dourada devido à regra de capacidade para a segunda fase da Copa Sul-Americana - a Conmebol exige que os estádios tenham capacidade mínima de 20 mil lugares. O ex-presidente do Goiás, Paulo Rogério Pinheiro, em entrevista para a Aparecida TV WEB afirmou que pretendia pagar a multa da Sul-Americana caso o time avançasse para o mata-mata. Entretanto, após várias mudanças, o palco escolhido para a partida, que sacramentou a eliminação do Verdão na competição continental, foi o Serra Dourada.
A estrutura do maior estádio goiano não está boa. Wilmar de Andrade fala que dadas as condições atuais é preferível cada clube mandar seus jogos em seus próprios estádios.
“Do jeito que está lá, é preferível que cada clube mande os seus jogos nos seus estádios. Dá mais segurança para o torcedor. É menos público, mas é mais conforto. Você vai ao estádio do Vila Nova, por exemplo, os banheiros são todos limpos, você tem condições de usar, pode ir sem medo.”
Os problemas de estrutura
O estádio Serra Dourada se encontra, atualmente, em situação decadente. Os banheiros estão estragados, o gramado não está bom, a estrutura física não é adequada.

Grades do Serra Dourada em péssimo estado, julho de 2024. Foto: Gabriela Ogashawara
“Dá vergonha você sair para usar o banheiro no Serra Dourada, tudo entupido, os vasos todos vazando”, diz o torcedor vilanovense, Wilmar de Andrade.
O mau funcionamento dos placares eletrônicos também foi destacado: “Antigamente os placares eletrônicos do Serra funcionavam, tanto do lado norte quanto do lado sul, e muito bem. Hoje ‘malemá’ funciona um.”
O gramado também é objeto de críticas. No único jogo disputado no Serra Dourada em 2024, partida válida pela primeira rodada do Brasileirão entre Atlético-GO e Flamengo, era perceptível o péssimo estado do gramado, como mostram as imagens da partida e os muitos comentários de torcedores que surgiram nas redes sociais.
A estudante de jornalismo Gabriela Diniz participou da transmissão da partida pelo Doutores da Bola - projeto de extensão da Faculdade Comunicação e Informação (FIC) da Universidade Federal de Goiás (UFG) - e relatou as condições encontradas no estádio no dia do jogo.

O jornalista André Isac trouxe a informação de que o gramado do Serra Dourada estava em boas condições até que o Atlético-GO assumiu e ficou responsável pelo estádio.
Uma saída para continuar gerando arrecadação de recursos é a locação do estádio para eventos. A estudante Lara Paranhos, que frequenta o Serra em shows, falou sobre a falta de estrutura e o risco que o estádio apresenta. “Para ser honesta, não tenho uma opinião positiva sobre o espaço. O estádio precisa de melhorias urgentes em termos de infraestrutura e segurança. Depois do que vivi no Rap Mix, e também na superlotação que ocorreu durante o show do Paul McCartney, ficou claro para mim que o local não está preparado para eventos de grande porte sem colocar o público em risco.”
Além dos problemas estruturais, o Serra Dourada sofre com problemas de conexão. Isso impacta torcedores, frequentadores de shows e principalmente a imprensa, que muitas vezes depende da internet para trabalhar.

O palco do futebol abre espaço para a música
O Serra Dourada tem sido o palco de grandes eventos musicais, tanto no estacionamento quanto dentro do estádio. Paul McCartney, Guns N’ Roses, Hugo e Guilherme e Jorge e Mateus são alguns dos diversos artistas que fizeram shows nos últimos anos no estádio goiano.
Por outro lado, Wilmar de Andrade discorda da ideia de que eventos musicais aconteçam no Serra. “Eu acredito que cada evento tinha que ter seu local. O estádio de futebol deveria ser usado só pra futebol e os shows deveriam acontecer em um espaço só para isso. Mas não é isso que acontece no Brasil. A gente vê vários shows no Maracanã e no Allianz Parque, estão sempre alugando, visando o lucro.”
Karini de Castro complementa sobre a priorização do aluguel para shows em detrimento de uma melhor manutenção do estádio. “Priorizam fazer shows no estacionamento do que investir em melhorar o estádio. Dessa forma, o Serra Dourada fica abandonado.”.
A estudante Lara Paranhos comenta como um evento anunciado no Serra aumenta as expectativas do público. “Anunciar um festival no Serra Dourada eleva as expectativas do público. O estádio é um local icônico com uma reputação consolidada para grandes eventos, como o Villa Mix, o que gera um senso de antecipação e prestígio para o público. Dessa forma, as pessoas esperam um nível elevado de organização e apresentações de qualidade, o que acaba enriquecendo o evento.”
O acidente no Rap Mix
A produtora Audio Mix é responsável por fazer alguns festivais musicais no Serra Dourada. No dia 02 de julho de 2023 aconteceu, dentro do estádio, o Villa Mix - um festival de música tradicional em Goiânia. Uma semana depois, no dia 09 de julho do mesmo ano, aconteceu a primeira edição do Rap Mix, evento que reuniu Racionais MC, MC Hariel, Baco Exu do Blues, L7nnon, Djonga, Matuê, Felipe Ret, Xamã, entre outros artistas da cena do rap, trap e funk.
O evento de música urbana na capital do sertanejo ficou marcado por uma tragédia. Por volta das 23h do domingo, a rampa que ligava o campo às arquibancadas deixou mais de 60 feridos ao caírem de uma altura de mais de quatro metros.
Pedro Marcondes foi uma das vítimas do acidente e relatou o acontecimento.

Lara Paranhos também estava presente no evento e teve sua experiência arruinada por conta do acidente. “O Rap Mix tinha tudo para ser um grande evento, com artistas incríveis e um marketing ótimo. No entanto, a minha experiência foi ofuscada pelo acidente, que foi terrível e muito assustador. Fui uma das últimas pessoas a conseguir sair da rampa antes da queda. Isso me fez repensar seriamente sobre frequentar eventos no Serra Dourada. A segurança deve ser prioridade, e é inaceitável que algo assim aconteça. Depois do ocorrido, desisti de assistir o restante dos shows e fui embora completamente decepcionada.”
A estudante Ana Beatriz Milhomem também estava presente no evento e falou do impacto do acidente no momento e principalmente no dia seguinte. “O acidente, na hora que aconteceu, me deixou assustada, mas me choquei mais ainda quando vi as notícias no dia seguinte que mostravam as fotos e vídeos das vítimas. É um acontecimento bem trágico e desanimador, pois causa desconforto e desconfiança nos próximos eventos que são sediados no Serra.”
Oito pessoas foram indiciadas pelo acidente, entre elas estão os responsáveis pela montagem da estrutura e segurança, porém nenhum dos empresários responsáveis pela organização do evento foi indiciado.
A esperança para um renascimento
O Serra Dourada é um dos monumentos mais imponente da cidade de Goiânia e para os fãs de futebol tem um brilho ainda maior. Confira agora o relato de um estudante de jornalismo que teve a oportunidade de transmitir um jogo no estádio:

No dia 09 de fevereiro de 2024, o governador Ronaldo Caiado definiu o modelo de revitalização do Serra Dourada, dando esperanças ao público de que grandes partidas voltarão a acontecer no estádio.
Uma consulta pública sobre a revitalização e modernização do estádio foi realizada pelo Governo de Goiás entre 12 de abril e 13 de maio. O projeto de escolhido, em fevereiro de 2024, foi o da empresa Pogen S.A, que foi a responsável pela reforma e revitalização do Estádio Pacaembu, em São Paulo.
A proposta de revitalização do Serra inclui a modernização do estádio, a reforma do Ginásio de Esportes Valério Luiz de Oliveira, a construção de um parque poliesportivo e obras nas áreas adjacentes. A promessa é de que até o final de 2024 seja assinado o contrato com a empresa escolhida e a previsão para início das obras é no início de 2025.
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